22 setembro 2010

“Da alegria popular nasce o Linho”

Mais uma actividade plena de êxito marcou a viagem pelas tradições ‘Na Rota das Colheitas’. Desta vez a paragem foi na freguesia de Marrancos. Na tarde de sábado, 4 de Setembro, recriou-se a Espadelada do Linho, que juntou mais de uma centena de populares e forasteiros. Mais que uma prática agrícola, foi uma ode à tradição e à alegria rural.

A Espadelada do Linho, revivida no Solar do Paço, em Marrancos (Vila Verde) foi a quarta actividade ‘Na Rota das Colheitas’. Esta programação, que arrancou em Agosto e estende-se até Novembro, tem como impulsionadores o Município de Vila Verde, as Juntas de Freguesia e as Associações Culturais e Sociais do concelho, dinamizada pela PROVIVER.

Neste caso da Espadelada, a organização coube inteiramente à Associação Recreativa e Cultural de Marrancos, em conjunto com a Junta de Freguesia, uma entidade cujo rosto e alma tem um nome: Abílio Ferreira. Ele é o responsável pela preservação, divulgação e dinamização das tradições rurais do concelho, em especial no que se refere ao cultivo e produção do linho, o ‘corpo’ do ícone de Vila Verde: Lenço de Namorados.
  

Cenário de autenticidade

O Solar do Paço foi cuidadosamente emparelhado para receber os convivas. Várias peças de linho, desde toalhas de mesa e de casa de banho, a colchas, peças de vestuário, carpetes e passadeiras, foram estendidas nas paredes do alpendre, na retaguarda da extensa quinta, uma mostra do que poderá ser feito a partir do Linho manufacturado.

No adro, um carro de bois suportava uma pipa de vinho e várias bilhas de barro. Serviriam mais adiante vinho verde fresco nas tigelas alusivas à Espadela do Linho ‘Na Rota das Colheitas’. Ao lado deste, um tear muito velho, vindo do museu Etno-Rural de Marrancos, ilustrava de que forma do fio nascia o tecido. Em torno destes, vários populares acabaram por sentar-se e conviver à sombra, enquanto assistiam à actividade.

Os convivas foram chegando ao início da tarde, inclusive tocadores de concertinas, “um agregado espontâneo”, como mais tarde nos explicaria Manuel Queirós, presidente da Junta de Freguesia de Marrancos. Uma actividade agrícola com a importância de uma espadelada transforma-se sempre num momento de calor e convívio: “As pessoas vieram com a sua alegria, boa disposição e música porque quiseram vir. Foi espontâneo”, salientou o autarca.

As espadeladeiras começaram o seu trabalho depois das 15:00, alinhadas pelas várias fases de tratamento do linho: da moagem à mão, com um cepo, para o espadelouro de cortiça; da espadeladeira, onde ‘aceda’, para o ripador, onde se separa a estopa do linho mais fino; e depois daqui, em manadas ou ‘estrigas’ para a roca, de onde nascem os novelos.

Os homens não intervieram nesta actividade, a não ser para ‘atiçar’ as mulheres, quer com cantorias, quer mais tarde com a ‘invasão diabólica’ dos ‘Máscaras’, que semearam o pandemónio entre quem trabalhava e os populares que assistiam alegres. Indivíduos do sexo masculino, disfarçados com uma mistura de trajes e adereços, ‘espicaçaram’ os presentes despertando a gargalhada geral e distraindo as mulheres que laboravam. Uma tradição típica da Espadelada também ela reavivada nesta actividade.

No ponto alto da animação da tarde chegaram a ouvir-se distintos apontamentos musicais em simultâneo: de um lado os cânticos tradicionais das colheitas das mulheres; do outro, as concertinas tocadas à sombra, debaixo das latadas.

Após a jornada de trabalho foi servido o lanche, que incluiu frango assado, pão, caldo verde e bolos caseiros. À descrição, com a generosidade típica das gentes minhotas, o importante foi agradar e partilhar com todos, especialmente com o visitante forasteiro, que sentiu-se em casa e completamente conquistado pelo ambiente rural. Este ainda pôde levar para casa a lembrança da actividade: uma tigela alusiva à Espadelada.

“A alegria do trabalho partilhado”

“Isto retrata um quadro natural que permite recuar nas vivências e na época, e perceber como é a autenticidade desta prática, a alegria das pessoas e de um trabalho colectivo”, começou por contextualizar Dr. António Vilela, Presidente do Município de Vila Verde, e que confraternizou com os populares. “Numa era dominada pela tecnologia também é importante mostrar, especialmente aos mais novos, a alegria do trabalho partilhado, das coisas simples e a essência de uma actividade que tem muito para ensinar”, acrescentou o autarca, que aproveitou para realçar que ‘Na Rota das Colheitas’ não é um projecto estanque: “A partir desta iniciativa da Rota vamos começar a criar espaços próprios de representação destas actividades e não só estes momentos revisitados. Há uma intenção clara de valorizar e recuperar engenhos e equipamentos que recriem todo o ciclo da criação do Linho”.

Imbuída neste mesmo espírito, Dr. Júlia Fernandes, Vereadora Municipal da Cultura, Educação e Acção Social mostrou também o seu entusiasmo: “Isto realmente é uma actividade extraordinária e que está em extinção. Já não se executa em qualquer lado uma Espadelada, tão pouco num local tão privilegiado, e executada como antigamente. E pensamos ‘como é que de algo tão distinto pode dar origem ao tecido nobre em que se bordam os nossos Lenços de Namorados?’. A responsável pela tutela da Educação salientou ainda a participação das gerações mais novas nesta actividade: “Há pessoas de todas as idades, raparigas e mesmo meninos que revelaram muita curiosidade e interesse e isso é muito relevante para perpetuar as tradições”.

Entusiasmado com o que via ao seu redor, o Presidente do Conselho de Administração da PROVIVER referia: “O objectivo está a ser atingido – a autenticidade está presente. Num local histórico, o ambiente vivencia a alegria e sente-se o folclore. Marrancos, pelo que ouvi das intenções do senhor Presidente da Câmara Municipal, tem todas as condições para ser ‘a Capital do Linho’ do concelho. Deixo ainda um agradecimento pelo trabalho ao senhor presidente da Junta de Freguesia de Marrancos, ao Sr. Abílio e ainda aos proprietários da casa por esta realização”.

Também o Presidente da Junta de Freguesia de Marrancos, Dr. Manuel Queirós, sublinhou a importância em manter tradições e práticas como esta vivas: “Vão desaparecendo as Espadeladas. Cada vez é mais raro vê-las acontecer e encontrar quem lhes conheça a prática”. O autarca responsabilizou positivamente a figura de Sr. Abílio Ferreira pelo sucesso da concretização da actividade, referindo “Nós estamos sempre dispostos em participar e apoiar as actividades propostas por alguém este grande homem da cultura vilaverdense”.

O grande homem demonstrou durante toda a tarde um olhar emocionado de menino. Generoso nas palavras e nos gestos, Sr. Abílio Ferreira, que é o responsável por ter recriado a autenticidade de uma actividade cheia de significado mostrou-se humilde e agradecido aos presentes: “É muito bonito ver esta dinâmica e sentir que se concretizou algo genuíno, pois tudo o que hoje se viu aqui era assim que acontecia há muitas décadas atrás”. Sr. Abílio recorda as Espadeladas que aconteciam na sua casa e que juntava centenas de pessoas: “Há uns dez anos, chovia que era uma coisa medonha e mesmo assim tinha a casa cheia para Espadelar o Linho”.

Recorde-se que Marrancos tem fortes tradições na produção do Linho, do qual o Sr. Abílio Ferreira é considerado o maior impulsionador, não só no que respeita à produção, mas também à preservação de engenhos, máquinas, trajes e gesto e sua divulgação. A ele se deve a criação do museu Etno-Rutal Terras do Neiva, um retrato da vida rural quotidiana desta região minhota e que pode ser visitado em Marrancos, no Lugar do Cruzeiros, aos fins-de-semana.

Solar do Paço, perdido na História

Imponente propriedade rural, o Solar do Paço - também conhecido como ‘Casa’ ou ‘Quinta’ do Paço - tem a sua origem no século XIV. “Exactamente não se sabe quantos anos tem, mas existem documentos antiquíssimos. De 1300 e qualquer coisa… Tem certamente mais de 700 anos”, contou-nos o seu proprietário e anfitrião da tarde, Gil Rodrigues.

A amizade com Abílio Ferreira facilitou a tarefa de realizar nesta enorme herdade rural a Espadelada do Linho inserida ‘Na Rota das Colheitas’. “Há poucas herdades com a capacidade de receber uma prática como esta, e então com as características desta Casa, nenhuma!”, refere o Sr. Abílio. Apesar de nem ser o proprietário da quinta, Gil Rodrigues reconhece que o amigo sabe mais da sua história que o próprio.

As características que a distinguem são o cenário de autenticidade rural – enormes campos cravejados de milho, os pastos fartos para animais como ovelhas e borregos, as extensas latadas de uvas e a presença de animais domésticos com fartura, para além da sua arquitectura senhorial.

O Solar do Paço também tem uma forte ligação com a história. “Diz-se que foi para aqui que Sá de Miranda veio morar quando a sua herdade de Duas Igrejas foi intervencionada. Esta era a ‘Casa da Torre’ e pertencia a Marrancos e não a Arcozelo como se conta”, narra Sr. Abílio, para prosseguir: “Este Solar tinha este nome ‘do Paço’ por ser o mais importante da região. Esta casa tem brasão e pertenceu sempre a famílias importantes, ligadas à realeza. Nasceu aqui aquele que foi feito Conde de Azevedo. A primeira Escola Pública desta região foi aqui instalada por consideração à família Barbosa de Velho, que então era proprietária desta Casa do Paço”.

Mas as suas referências são ainda mais antigas. Segundo Manuel Queirós, autarca da freguesia, há documentos que revelam que “o Solar do Paço cruzar-se-ia com o antigo Caminho de Santiago, e por isso, muitos notáveis terão pernoitado e ficado instalados nesta Quinta”, uma posição corroborada por Sr. Abílio: “É natural. À época os fidalgos e gente mais abastada procuravam ficar nas propriedades que apresentassem melhores condições e não havia outra como o Paço”.

Embora poucos conheçam a relevância cultural do Solar do Paço, o mesmo exibe ainda hoje o esplendor da sua grandiosidade.

Linho em vias de extinção

O Linho manual está em extinção no concelho de Vila Verde. Por ser uma actividade trabalhosa e longa - todo o processo de refinação - a mesma deixou de ser rentável. Não só a prática da espadelada do linho deixou de acontecer, como todas as outras etapas, desde a colheita à transformação em tecido no tear. Os utensílios e máquinas usados na sua transformação são hoje objectos museológicos.

Por tudo isto, o Linho manufacturado sempre foi um tecido nobre e caro. Porém, a produção industrial foi progressiva e definitivamente estrangulando a sua criação nos teares, até ao total desaparecimento.

Hoje em dia são raras as casas que exibem o Linho “de antigamente”, um bem precioso e extremamente caro. Os antigos Lenços de Namorados tornam-se relíquias de preço inflacionado por terem como matéria o Linho manufacturado. Actualmente os Lenços de Namorados são bordados em Linho industrial por ser extremamente complicado encontrar quantidades de tecido suficiente para bordar os Lenços na sua verdadeira essência.

Sábado vai recriar-se uma actividade muito especial, reeditando processos antigos de transformação de um material nobre, como o Linho, que serve de matéria-prima à produção de um dos ícones maiores de Vila Verde, o Lenço de Namorados.

O Linho será também ‘figura central’ da Feira Mostra de Produtos da Festa das Colheitas deste ano, em Vila Verde, a realizar de 5 a 10 de Outubro.

Fonte: http://www.proviver.pt

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